Na pequena casa no subúrbio, onde a tranquilidade das manhãs contrastava com a inquietude das noites, Marisa, uma jovem cuidadora de 27 anos, se deparava com um mistério que perturbava seu coração. Cada noite era marcada pelo som angustiante do choro de Dona Luiza, uma senhora de 80 anos, cuja vida parecia povoada por fantasmas do passado.
Marisa, apesar de sua curta experiência como babá, era já familiarizada com os desafios e os cuidados que o trabalho exigia. Certa manhã, logo antes do amanhecer, enquanto preparava o café, os ecos do choro da noite anterior invadiam sua mente. O lamento da idosa não parecia se restringir a uma dor física, mas sim algo mais profundo e misterioso.
O filho de Dona Luiza, Murilo, um médico sempre exausto pelos plantões intermináveis, atribuía os lamentos da mãe a sonhos vívidos. “Ela sonha com meu pai”, dizia ele com um suspiro resignado. A recomendação era simples: não interferir, deixar que a idosa encontrasse conforto em suas próprias lembranças.
No entanto, Marisa não podia deixar de se sentir tocada pelo sofrimento silencioso de Dona Luiza. As histórias de um tempo em que o amor era o centro de sua vida, contadas pela senhora em momentos de clareza, pintavam um quadro de saudade. O marido, descrito sempre com tanto carinho e saudade, parecia ser a âncora de seu mundo.
Certa noite, a jovem cuidadora ousou perguntar à senhora se lembrava de seus sonhos. “Ah, minha querida, você não acreditaria. Eu vejo meu marido todas as noites”, revelou Dona Luiza, seus olhos brilhando com uma serenidade que Marisa não esperava encontrar.
Ao ouvir isso, Marisa sentiu seu coração aquecido por um momento. Parecia que, mesmo além da separação da morte, o amor encontrava uma maneira de resistir. Contudo, quando o choro ecoou novamente às três da manhã, mais intenso e com murmúrios incompreensíveis, Marisa percebeu que precisava saber mais.
Essas noites de vigília transformaram-se em um ritual silencioso, com a jovem hesitando entre respeitar a intimidade dos sonhos de Dona Luiza e querer oferecer algum alívio. Naquela noite, porém, sentiu que talvez estivesse prestes a cruzar uma linha que Murilo havia imposto.
Na pequena casa, entre as paredes que guardavam tantas histórias, Marisa entendia que a dor de Dona Luiza não era apenas uma lembrança do que se fora, mas uma prova viva de que, às vezes, os laços do coração transcendem o tempo. E enquanto o sol nascia, ela sabia que estava ali não apenas para cuidar de uma idosa, mas para compreender e respeitar a profundidade do amor que ainda a fazia chorar à noite.